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Victor AGADJANIAN, Lusotopie 1999, pp. 415-423 As Igrejas ziones no espaço sóciocultural
de Moçambique urbano
presente estudo trata das Igrejas de tipo pentecostal em Maputo, Moçambique, que são popularmente conhecidas pelo termo bantui- zado de (ma)zione (zionista). A análise centra-se na zona urbana Oe periférica da Grande Maputo, deixando fora a problemática das Igrejas ziones em outras partes de Moçambique. Este estudo representa uma abordagem sociológica das dinâmicas internas e externas das Igrejas ziones na década de 1980 e no princípio da década de 1990, isto é, a última parte do período socialista e o início do período de economia de mercado. Pretende- se determinar o lugar e o papel das Igrejas ziones no espaço sóciocultural da cidade, investigar as suas estrutura e afiliação, e analisar as suas relações com outros actores sociais do mundo urbano. Em geral, a propagação das Igrejas ziones nas áreas urbanas de Moçambique é vista aqui como uma reacção à profunda transformação social nessas áreas – ao nível tanto indi- vidual como comunitário. Esta reacção é tão multidimensional como a mu- As Igrejas zionistas na África do Sul têm atraído bastante atenção de estudiosos. As análises de Sundkler (1961 , 1976) são exemplos clássicos dessa pesquisa. Uma grande parte dos estudos examina o seu papel no processo da transformação social e política da África do Sul (veja por exemplo Allen 1994 ; Comaroff 1985 ; Mosala 1985 ; Schoffeleers 1991, Thomas 1994). A estrutura e a organização dessas Igrejas (West 1975) e o relacionamento das práticas zionistas com as dos curandeiros tradicio- nais (Kiernan 1992) têm também sido objectos de investigação. Embora estes estudos possam servir de ponto de partida para uma análise das Igrejas ziones em Moçambique, o contexto histórico e sóciocultural deste país é bastante diferente. A problemática das Igrejas ziones permanece lamenta- velmente uma das áreas menos conhecidas da realidade sócioreligiosa moçambicana e aguarda uma exploração profunda e sistemática. O presente trabalho procura fornecer uma contribuição para preencher esta lacuna. Baseia-se em entrevistas e conversações com os líderes e membros de várias Igrejas ziones na área da Grande Maputo, observações dos ritos e cerimónias dessas Igrejas, entrevistas e conversações com os aderentes de outras congregações e com as curandeiras, bem como nos dados fornecidos pelo departamento dos assuntos religiosos do ministério da Justiça de Moçambique. Toda a informação foi recolhida durante duas estadias do autor em Moçambique : a primeira nos anos de 1986 e 1987 e a
História breve e características principais das Igrejas ziones

A origem do nome das Igrejas ziones (Zionist) provem da cidade de Zion City, Illinois, Estados Unidos da América, onde a Christian Apostolic Catholic Church, a Igreja que deu o início a este ramo do pentecostalismo, foi fundada por J. Dowie em 1896. As primeiras Igrejas zionistas na África austral surgiram na África do Sul sob a influência norte-americana no início deste século. A sua penetração em Moçambique começou no período colonial sobretudo através dos mineiros e outros trabalhadores moçambicanos na África do Sul, e já no fim deste período as Igrejas ziones salientavam-se como um elemento visível no panorama religioso da colónia e especialmente da sua sede administrativa (Figueira [s.d.] ; Rita-Ferreira 1967-68 : 458-463). Continuaram a crescer depois da proclamação da independência de Moçam- bique em 1975, apesar da atitude geralmente desfavorável do governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em relação às crenças e práticas religiosas. De certo modo, pode-se dizer que a combinação do quase-ateismo e do nacionalismo que caracterizava a atmosfera ideológica da primeira década pós-colonial criou um ambiente relativamente propício para o avanço zionista, na medida em que esta atmosfera era particular- mente sufocante para as Igrejas tradicionais, espe-cialmente a católica, que eram, pelo menos implicitamente, vistas como uns dos símbolos principais tanto do obscurantismo religioso como da dominação cultural e política estrangeira. A liberalização económica e a maior tolerância política e reli- giosa das autoridades a partir dos últimos anos da década passada facilita- ram progressivamente a propagação das Igrejas ziones. De acordo com a informação obtida no departamento dos assuntos religiosos do ministério da Justiça em 1993, novas Igrejas ziones eram então registadas quase mensalmente. Não foi possível conseguir alguma estatística oficial fidedigna sobre o número dos afiliados das Igrejas ziones na zona de Maputo. Segundo um inquérito representativo, que o autor deste estudo conduziu em Maputo em 1993 e cujo instrumento, embora não focado nos aspectos religiosos, incluiu uma pergunta sobre a afiliação religiosa, entre 1 585 mulheres entrevistadas, 28 % declaram-se ziones, enquanto só 16 % eram católicas e 12 % aderentes das Igrejas protestantes bem estabelecidas (presbiteriana, metodista, adventista, anglicana, etc.) Existe uma grande variedade de Igrejas geralmente designadas como ziones, cujos doutrinas, liturgia, ritos e tabus diferem, mas que comparti- lham uma característica fundamental – a invocação do Espírito Santo e a cura divina efectuada por meio da sua acção milagrosa. A Igreja zione é uma Igreja de comunidade por excelência – localizada dentro da comunidade e sendo parte integrante da vida social comunitária. Embora as Igrejas locais sejam frequentemente ligadas com alguma entidade coordenadora dirigida por um bispo, esta ligação na maioria das vezes é uma formalidade simbólica, deixando aos líderes das Igrejas locais uma grande autonomia nas questões tanto teológicas como organizacionais. A Igreja zione é estruturada em torno da figura carismática do pastor (mufundisi, em tsonga) que frequentemente, sobretudo em casos de Igrejas pequenas, é também o profeta (muprofeta), que possui o dom de invocar o Espírito Santo para efectuar a cura. De facto, a existência dum profeta carismático é o elemento crucial de identificação das Igrejas ziones : tanto os crentes como os próprios profetas consideram que a existência de um profeta é a característica das Igrejas ziones que as distingue das outras Igrejas. Os profetas na sua maioria são homens de baixo nível de educação e poucos conhecimentos teológicos, o que para suas activi- dades diárias constitui uma certa vantagem, pois facilita a sua interacção com os fiéis, devido à semelhança de características sócioculturais. Outros membros da hierarquia local – diácono, evangelista, pregador, conselheiro, etc. – embora na prática tenham funções relativamente secundárias, são também elementos importantes na identificação e estruturação da Igreja Ao contrário da hierarquia relativamente bem definida da liderança zione, os aderentes (vakhongeli, vapfumeli) representam geralmente uma massa social bastante amorfa. São na maior parte residentes da zona suburbana, chamada « a cidade de caniço », predominantemente migrantes recentes das zonas rurais, geralmente pobres, com baixo nível educacional e marginalizados em relação ao mercado laboral urbano. São na sua maioria convertidos vindos das principais denominações cristãs do país – a Igreja católica e as Igrejas protestantes bem estabelecidas – mas também de outras Igrejas protestantes. A cura através da fé e de milagres constitui a atracção principal das Igrejas ziones. Muitos habitantes da cidade, qualquer que seja a sua afiliação religiosa anterior, aderem às Igrejas ziones buscando trata- mento para doenças físicas e problemas sociopsicológicos. Neste sentido, as Igrejas ziones oferecem-lhes uma alternativa atractiva tanto ao sector moderno de saúde, elitista e ineficaz, como aos serviços comercializados e desacreditados de curandeiros tradicionais. Dada a natureza desta atracção, a afiliação nas Igrejas ziones continua fluida e instável. As pessoas que vão às sessões ziones podem ser divididas em dois grupos : o primeiro constituído por membros permanentes, que frequentam tanto as sessões de oração como as de tratamento, e o outro que inclui os que primeiramente buscam a cura e portanto frequentam sobretudo as sessões de tratamento (masiku ya kupfuna). Para esta segunda a participação nos serviços religiosos nem sempre significa uma conversão definitiva : muitos participantes mantêm, mesmo se em segredo, afiliação com as suas congregações anteriores. Também muitos convertidos recentes podem abandonar a Igreja zione se não estão satisfeitos com os resultados do tratamento ou quando consideram que já estão curados e portanto a continuação da sua participação já é desnecessária. Normalmente os ziones não exigem que as pessoas que vêm receber um tratamento rompam com as suas Igrejas e se juntem definitivamente à Igreja zione. Todavia é subentendido que a cura será eficaz e completa só se o paciente não interromper o tratamento. Já que a continuação indefinida do tratamento é necessária, a participação contínua do paciente nas sessões ziones é de facto Oficialmente a afiliação com a Igreja zione não exige mais que o paga- mento de uma quota financeira simbólica ; o tratamento efectuado durante as sessões de cura é oficialmente grátis. Contudo, na realidade, espera-se que tanto os membros permanentes como os participantes temporários que vêm em busca de cura dêem contribuições financeiras, e tais expectativas tornam-se cada vez mais evidentes, na medida em que a economia de mercado e a comercialização da vida avançam.
Mulheres na Igreja zione

A participação nas Igrejas ziones é simultaneamente um reflexo e um mecanismo de adaptação às mudanças nos papéis e hierarquia dos sexos. As mulheres são sobrerepresentadas nas sessões, e as « doenças de mulheres », especialmente a esterilidade, bem como as doenças de crianças, que são sempre a cargo das mulheres, são entre os alvos centrais da cura milagrosa. Por exemplo, uma das mulheres entrevistadas não tinha podido conceber durante treze anos após o nascimento do seu primeiro filho. O tratamento no hospital não deu resultados, e ela dirigiu-se a uma congre- gação zione. Depois das sessões curativas dos ziones ela concebeu, e decidiu ficar na Igreja. Várias mulheres entrevistadas vieram em busca de trata- mento para os seus filhos. Uma outra forma típica da entrada de mulheres nas Igrejas ziones é através do matrimónio com um homem zione. A análise da participação de mulheres nas Igrejas não tradicionais em outros contextos histórico-culturais, nomeadamente nas Igrejas evangélicas e pentecostais da América latina, tem indicado que esta participação poderia contribuir para a emancipação de mulheres (Brusco 1995 ; Machado 1996). Em princípio, a participação das mulheres nas Igrejas ziones poderia também desempenhar um papel significativo no aumento do poder das mulheres no seio do lar, na medida em que esta participação afasta tanto a mulher como o homem do domínio ilimitado do tradicional sistema patriarcal. Porém, isso não significa que o ambiente zione preconiza a igualdade entre os sexos : a subordinação da mulher é simplesmente um pouco atenuada. As Igrejas ziones em geral não se opõem ao lobolo (pagamento nupcial) – um dos instrumentos principais da subjugação da mulher dentro do lar. Embora os aderentes sejam proibidos de casar-se com mais de uma mulher, os matrimónios polígamos contraídos antes da adesão à Igreja são tolerados. Um homem casado que vem à Igreja sem a sua esposa é bem-vindo, mas uma mulher casada que não venha acompanhada pelo marido ou cujo marido não tenha comunicado aos líderes da Igreja a sua aprovação da participação dela, normalmente não é aceite na Igreja porque « depois temos problemas ». Enfim, mesmo se a afiliação com uma Igreja zione oferece a mulheres uma alternativa ao tradicional sistema da opressão patriarcal, a reclusão social dentro das pequenas comunidades ziones pode reduzir os contactos das mulheres com outros modelos sócioculturais e con- sequentemente dificultar a sua emancipação.
Igrejas ziones e tradições indígenas não cristãs

Em todas as partes da África, as Igrejas independentes cristãs emer- gentes, zionistas e outras, declaram-se hostis às tradições e práticas religiosas pré-cristãs (Gifford 1994). Os ziones de Maputo não são uma ex- cepção. Contudo, apesar desta hostilidade, as mesmas práticas e cerimónias indígenas são muitas vezes integradas no ritual zione. Um exemplo típico é a cerimónia de kutsivelela, ou « vacinação » de crianças, comum entre os Rongas da área de Maputo. Esta cerimónia é tradicionalmente oficiada por curandeiros, mas recentemente tem-se estabelecido no repertório cerimonial zione, e mesmo os casais que não são afiliados numa Igreja zione muitas vezes trazem os seus filhos ao profeta para realizar o rito. Uma outra cerimónia que tem raízes nas crenças pre-cristãs é a de kuchula vito, ou escolha do nome da criança entre os nomes dos seus antepassados falecidos. Os ziones mantêm este conceito puramente tradicional, com a única diferença que é o profeta guiado pelo Espirito Santo, e não o curandeiro dirigido pelos espíritos dele, quem escolhe o nome. As relações entre os ziones e os curandeiros tradicionais merecem mais atenção. A pesquisa realizada na África do Sul tem demonstrado a seme- lhança entre ambos (Sundkler 1961), que se observa também em Moçambique. Contudo, esta semelhança em vários aspectos, mas sobretudo nos actos de exorcismo e mesmo no uso de alguns objectos que acompa- nham tal acto, exacerba a animosidade mútua entre os ziones e os curandeiros resultante da concorrência entre os dois campos no mercado terapêutico. Assim, para as Igrejas ziones a diferença entre bons e maus espíritos (swikwembu e swigono, respectivamente), que é central nas práticas dos curandeiros, desaparece, e ambos são considerados como demónios causantes de doenças. Portanto a expulsão de ambos é o objectivo central da O triunfo dos ziones na guerra contra o demonismo dos curandeiros é simbolizado pela « cura » dos próprios curandeiros. Em alguns casos extremos curandeiros transformam-se em profetas ziones. « Libertados » dos demónios que os possuem, esses ex-curandeiros mantêm o seu carisma, o que lhes facilita a aquisição de capacidades curativas e a legitimação destas num novo quadro ideológico e operacional. É notável que hoje em dia, enquanto o tratamento dos curandeiros é rejeitado pelos ziones, a medicina ocidental moderna não o é, apesar das atitudes negativas em relação à essa que o movimento zionista tinha sustentado na sua fase inicial. De facto, os ziones de Maputo muitas vezes comparam as suas Igrejas a um hospital : o tratamento dos ziones é conside- rado compatível com o do hospital, e os dois podem ser feitos simultanea-
Relações entres diferentes Igrejas ziones

Para a maioria dos crentes-pacientes, as diferenças doutrinais, rituais e organizacionais entre várias Igrejas ziones têm relativamente pouca importância em comparação com a percepção das suas capacidades E mesmo para os líderes das Igrejas essas diferenças são secundárias. Como disse um pastor entrevistado para este estudo, as diferentes Igrejas ziones são como as diferentes escolas, porque « todos os alunos não podem ir na mesma escola ». Contudo, este mesmo pastor afirmou que a « escola » dele era « a mais mazione » de todas, e não restam dúvidas que a maioria de líderes ziones diriam o mesmo das suas respectivas Igrejas. Igrejas ziones e outras Igrejas cristãs
No debate teológico sobre as Igrejas zionistas na África austral não se
chegou a um acordo se essas Igrejas devem ser consideradas protestantes e mesmo cristãs, embora as suas raízes protestantes sejam indubitáveis (veja Chidester 1992 ; Isichei 1995 : 313-318). Tal incerteza, que também se pode aplicar a Moçambique, provem do caracter sincrético das Igrejas ziones cujos doutrina e rito incorporam e conjugam elementos tanto cristãos como Para a maioria da população da cidade, que não se deixa perturbar pelas divergências e debates teológicos, a relação das Igrejas ziones com outras congregações religiosas é determinada sobretudo por dois factores. Primeiro, a Igreja zione é uma Igreja curativa e nesta qualidade é diferente da maioria das Igrejas bem estabelecidas (católica, presbiteriana, metodista, adventista, anglicana, etc.) mas, por outro lado, é semelhante às outras Igrejas que curam, carismáticas ou não (Assembleia de Deus, Velhos Apóstolos, etc.). Em segundo lugar, a Igreja zione é uma « Igreja de pretos » (kereke ra valandi) que é diferente das « Igrejas de brancos » (makereke ya valungu). É neste segundo aspecto que a distância entre as Igrejas ziones e as outras Igrejas protestantes se torna bastante confusa, pois para muita gente as Igrejas originalmente importadas do estrangeiro mas posteriormente indigenizadas (por exemplo, algumas Igrejas do ramo da Assembleia de Deus) e mesmo Igrejas protestantes bem estabelecidas como a Igreja presbi- teriana são também « Igrejas de pretos ». Também a distância entre os ziones e os católicos e os protestantes estabelecidos é evidente em termos da atitude para com as crenças e práticas tradicionais, e para com os curandeiros em particular. Como explicou um dos informantes deste estudo, nem os católicos nem « a Missão suíça » (presbiteriana) e outros protestantes sabem curar, e por isso é que os mem- bros dessas congregações procuram tratamento nos curandeiros. As relações entre as Igrejas ziones e outras Igrejas curativas merecem uma atenção especial. Apesar das diferenças em teologia e ritual, essas outras Igrejas, especialmente as Igrejas indigenizadas situadas na « cidade de caniço », tendem a « zionizar-se », quer dizer, incorporar os elementos carismático-messiánicos e destacar a cura divina. A Igreja da Assembleia de Deus oferece um bom exemplo deste fenómeno. O templo central desta Igreja está situado no coração da « cidade de cimento » (a área central da cidade, que corresponde aproximadamente ao território do distrito urbano n° 1), e tem todas as características típicas de uma Igreja da Assembleia de Deus ocidental. Em contrapartida, as pequenas casas de culto espalhadas por toda a cidade de caniço tem o ambiente característico das « clínicas » ziones. Ainda por cima, para muitos afiliados das Igrejas ziones, a Assem- bleia de Deus é uma Igreja zione, e os pastores e outros membros das Igrejas ziones frequentam muitas vezes os serviços nas sucursais suburbanas da Assembleia de Deus como « convidados » ou mesmo para participar no processo da cura. E vice-versa, os membros de outras congregações suburbanas são muitas vezes convidados à cerimónia de kuchula vito e outras cerimónias dos ziones. Acontece também frequentemente que os crentes em busca de cura trocam a sua lealdade religiosa passando de uma Igreja curativa, zione ou não, para outra. Este proselitismo efectua-se com notável facilidade pois a perspectiva da cura é o estimulo principal para Em comparação com a cidade de caniço, a cidade de cimento, que em muitos aspectos sócioculturais ainda é um « lugar de brancos » (xilungwini), é um terreno menos favorável para a propagação das Igrejas ziones, que muitas vezes são desdenhadas e criticadas pelo barulho que fazem e as suas práticas excêntricas. Tal atitude negativa, porém, não parece afligir a maioria dos líderes ziones. Como disse um « conselheiro » entrevistado, « há muitos que costumam falar mal dos maziones, mas um dia ele [quem fala mal] vai cair doente e vai aos maziones [pedir a cura] ». Mas na cidade de cimento os ziones tem um concorrente poderoso – a Igreja universal do reino de Deus, de origem brasileira, que nos últimos anos tem desencadeado uma ofensiva vigorosa em Maputo, especialmente na sua zona central, a mais urbanizada e portugalizada. Ao contrário das Igrejas ziones, a Igreja universal transcende na sua totalitária retórica religiosa as diferenças entre os modos de vida e crenças « de brancos » e « de pretos », atraindo uma parte considerável dos cidadãos mais ocidenta- As Igrejas ziones e o espaço sóciocultural urbano
O lugar das Igrejas ziones no espaço sóciocultural de Maputo pode ser definido em termos de três dimensões inter-relacionadas. A primeira é a dimensão sócioterapêutica no sentido mais amplo da palavra, isto é, incluindo a prevenção e o tratamento de doenças físicas, a provisão de conforto emocional, e a solução de problemas sociais. Embora alguns líderes ziones prefiram ver as suas Igrejas como « escolas », a metáfora que parece mais adequada é a de « clínica ». Neste mercado sócioterapêutico as Igrejas ziones concorrem com o sector moderno da saúde, a medicina tradicional A segunda dimensão é a dimensão etnocultural, estruturada pela dico- tomia do mundo indígena, tradicional, « preto » (hi xilandi) e o mundo importado, moderno, « branco » (hi xilungu) –, a dicotomia que permea a vida quotidiana da sociedade urbana. As Igrejas ziones refletem simulta- neamente o conflito entre as tradições indígenas de origem rural e as normas urbanas de origem ocidental, e a interpenetração entre ambas. Assim, por um lado, elas opõem-se veementemente ao culto tradicional dos ante- passados, à « feitiçaria » e outras crenças e práticas indígenas consideradas « obscurantistas ». Por outro lado, os rituais e procedimentos curativos dos próprios ziones são parecidos com os dos curandeiros tradicionais. Estes elementos « quase tradicionais » das Igrejas ziones facilitam o ajustamento cultural e a integração social dos migrantes rurais (e dos refugiados no período da guerra civil) ao meio urbano. A terceira dimensão é a da estruturação e reestruturação das relações sociais. Esta (re)estruturação ocorre a vários níveis. Ao nível do lar, a parti- cipação na Igreja zione influencia a hierarquia e as relações entre os sexos. Ao nível da comunidade, as Igrejas ziones, espalhadas por toda a cidade, formam eixos importantes da organização social da comunidade. A parti- cipação nas Igrejas ziones cria um novo tipo de laços sociais, especialmente para as mulheres, e portanto reorganiza o espaço social comunitário. Esta reorganização inclui elementos tanto de coesão e solidariedade como de tensão e conflito, na medida em que diferentes congregações religiosas, ziones e outras, competem na arena comunitária. Ao mesmo tempo, a dedicação quase esclusiva à cura e o carácter recluso das Igrejas ziones limitam o impacto delas sobre a organização social da comunidade. Ao nível da estruturação política, o papel das Igrejas ziones é ainda mais complexo. Vários estudos têm analisado o lugar das Igrejas zionistas sul- africanas no processo político. Alguns investigadores viram nas actividades zionistas uma forma, mesmo que implícita, de mobilização sociopolítica contra o sistema do apartheid (Allen 1994 ; Comaroff 1985 ; Thomas 1994) ; outros chegaram à conclusão que a aquiescência das doutrinas das Igrejas zionistas, focadas primeiramente nas preocupações individuais dos seus afiliados, lhes fazia retirar-se do processo político (Mafeje 1975 ; Schoffeleers 1991). No Moçambique colonial as Igrejas ziones, com a sua orientação indigenista e anti-estrangeira, tinham o potencial de mobilizar a população negra contra o regime opressivo – uma ameaça reconhecida (e talvez exage- rada) pelo próprio regime (Figueira [1972]). Porém, depois da indepen- dência, e especialmente no ambiente da transição para a economia de mercado, as Igrejas ziones parecem ter perdido o ímpeto político inicial. Nestas condições a retórica indigenista já não é suficiente para a organização política da comunidade. Embora as Igrejas ziones estejam bem situadas para se tornarem fulcros da expressão e mobilização política das massas pobres excluídas do processo político de « alto nível », a impressão geral é que a maioria dessas Igrejas prefere afastar-se do discurso sobre a crescente injustiça e desigualdade social, e em vez disso concentrar-se na busca da Victor AGADJANIAN
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Source: http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/agadjanian.pdf

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