Rosalice koenow pinheiro - fragmento e morte no tempo cênico
Fragmento e morte no tempo cênico Rosalice Koenow Pinheiro (Alice Koenow) Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UNIRIO (mestranda) Processos e Métodos de Criação Cênica – Orientador: Prof. Dr. Walder Souza Bolsa REUNI / CAPES Diretora de Teatro Resumo: Considera-se a possibilidade de que a escritura cênica de fragmentos atua hoje no teatro como experimento de novas concepções temporais no enfrentamento que trava com a concepção do tempo contínuo e homogêneo, suporte do dramático. Com o objetivo de circunscrever um campo de discussão sobre essas relações, o drama barroco, na peculiar organização temporal dos fragmentos e em suas alegorias, expõe-se como um passado aberto e fonte de reflexões. Entre estas encontra-se o profundo imbricamento de morte e fragmento, poder e corpo, com uma região de indecisão ou indiscernibilidade entre regra e anomia. Textos críticos de Walter Benjamin, Michel Foucault e Giorgio Agamben, ao lado dos estudos teatrais fornecem suporte teórico às questões enunciadas. Palavras-chave: cena fragmentada, corporeidade, tempo
O artigo aborda alguns aspectos da dissertação de mestrado1 que objetiva
circunscrever possíveis relações entre a estrutura da cena composta por fragmentos e
concepções temporais. A cena atual, na ampla utilização de fragmentos e na corporeidade
fragmentada, expõe-se em novas configurações temporais no confronto com a historicidade
contemporânea. Nesse confronto, a indecisão aparece como elemento privilegiado de análise
da estrutura da cena pois indica, pela diretriz que imprime na ordenação temporal e na
qualificação da temporalidade, o lugar do choque entre o real e a ficção, e conduz a
percepção da recepção. Nessa perspectiva o drama barroco aparece na dissertação, entre
outros aspectos, fornecendo dados para a análise da indecisão na estrutura do texto, em
suas relações históricas. Alguns desses dados, mesmo que preliminares, servem de base a
No período do barroco, a secularização do poder da igreja e os novos
pressupostos da ciência desestabilizam uma visão de mundo milenar. O confronto produzirá
uma concepção temporal que vigora até hoje. A linha reta que ia da terra ao céu no caminho
da redenção, é substituída pela linha reta sem teleologia da ciência. Há uma “laicização do
tempo cristão retilíneo e irreversível, dissociado, porém de toda idéia de um fim e esvaziado
de qualquer sentido.” (Agamben, 2008, p.117). O tempo cristão que previa etapas para
salvação da alma até a redenção, será posteriormente assimilado na forma “de um progresso
contínuo e infinito” (op.cit., p.118).
1 “O Cadáver vivo e o gesto soberano: um estudo sobre o fragmento e a alegoria em A Vida é Sonho de Calderón de la Barca” – texto de 1635, pertencente ao século de ouro espanhol.
O texto de Calderón vai responder à concepção temporal dessa época enlutada,
entre outros aspectos, na forma de jogo. O jogo do sonho e o do teatro dentro do teatro que a
peça opera, surge como desvio da concepção temporal que se implantava, sendo decisiva
nesta análise “a transposição de dados inicialmente temporais para uma simultaneidade
espacial fictícia. Essa transposição leva-nos a um aspecto profundo dessa forma dramática”
(Benjamin, 1984,p.104). O engenho de Calderón afronta a violência do poder soberano
secular pelos artifícios construídos na cena. Ele traz a temporalidade da redenção para o
espaço da corte, valorizando-a e, ao mesmo tempo, pela alegoria, a condena ao aspecto
último da transitoriedade do poder e valores terrenos. O jogo do sonho constrói um espaço
fictício de reflexão caminhando lado a lado com a trama da peça, onde as falas e ações
adquirem vários sentidos, “o sonho se estende sobre a vida desperta como a abóbada
celeste” (ibid.). O jogo entre a vigília e o sonho possibilita que o ‘real’ seja visto como um
disfarce, a ilusão ancora-se na realidade “del gran teatro del mundo” (Ato 2verso 1088 ) e
SEGISMUNDO: Decir que sueño es engaño; bien sé que despierto estoy. ¿Yo Segismundo no soy? Dadme, cielos, desengaño. Decidme: ¿qué pudo ser 255 esto que a mi fantasía sucedió mientras dormía, que aquí me he llegado a ver? (Ato 2 verso 251 a 258)
Na indecisão, Segismundo conclui que “toda vida é sonho, e sonhos, sonhos são”
(ato 2 v.1201). A indecisão entre vida e sonho, realidade e ilusão instiga vários níveis de
reflexão da vida como espetáculo. O foco aqui não é apenas a reflexão, mas como a
indecisão atua na estrutura do drama, e com qual(is) fragmento(s) da realidade ela poderia
se relacionar. Na sequência das cenas a indecisão do rei Basílio2 torna seu filho um peão no
tabuleiro. Segismundo não se movimenta por si só, é movimentado diversas vezes entre a
corte e o cárcere. A indecisão funda o desenho do jogo no deslocamento espacial e opera
2 Descrevemos uma parte do enredo de A Vida é Sonho: Calderón instaura o teatro dentro do teatro, de forma sutil, fazendo com que o personagem Segismundo seja dramatizado por seu pai Basílio (Abel, 1968, p100,101). Seu pai e rei, por ter visto nas estrelas, que ele o ameaçaria e ao reino, freia esse destino, jogando-o como uma fera humana num cárcere desde o nascimento. Numa tentativa de rever esse ato, o traz para a corte e o coloca à prova, elaborando o ardil do jogo do sonho, caso Segismundo não corresponda às suas expectativas. Investido das vestes de príncipe, Segismundo logo mata um servidor. É, então, novamente levado ao cárcere e lhe é dito que a vida na corte não passou de um sonho. Posteriormente, ele é novamente retirado do cárcere pelo povo, que o quer como soberano na sucessão do rei, e reconduzido à corte. E de lá, como sua última ação no texto, envia um soldado, que o ajudou, para o cárcere.
cortes temporais, com apartes, ou cenas da trama paralela3, impedindo uma progressão
linear e contínua. Retornos e repetições enxertam uma temporalidade cíclica na estrutura do
texto. Solidária a esta estrutura, a alegoria empreende movimentos que, entre outros, fazem
da corte o cárcere, contradizendo a literalidade da situação, e sustenta as infinitas reflexões
entre vida e sonho. Com esses exemplos, que reportam apenas parte da análise empírica,
estima-se oferecer uma dimensão de como a indecisão opera no texto. Considerando a
indecisão como um elemento estrutural, que dá suporte à hesitação alegórica, e determina a
ordenação temporal e espacial, buscamos suas relações com a história da época. Entre as
relações já levantadas destacamos a seguinte:
O movimento que a indecisão opera neste drama , “só pode ser explicado à luz
da teoria da soberania” (BENJAMIN, 2004:p.64). Esta teoria é formada, na época, na
discussão sobre o estado de exceção. Neste, a Lei é suspensa e o soberano, fora da lei, age
arbitrariamente com violência extrema. Ação que, no entanto, é prevista na lei, que inclui
todos os outros pela exclusão de seus direitos (AGAMBEN, 2002,p.23) . Esse poder ‘sem lei’,
concentrado no corpo do soberano, torna essa figura uma lei viva anômica (AGAMBEN,
2004, p.111). Na secularização do poder, entre os compromissos do soberano com a igreja
(Reforma e Contra-Reforma), existe “a exigência de um principado cujo estatuto
(BENJAMIN,1984,p.89). A incompetência para cumprir esse acordo leva o soberano à
indecisão perene se decreta ou não estado de exceção. Dessa forma, o poder que o
soberano lida na normalidade é o equivalente ao da violência necessária no estado de
exceção, não sendo possível nesse contexto decidir entre regra e anomia no cotidiano. Essa
indecisão penetra no drama (op.cit:p.94) e pela alegoria, a realidade ‘normatizada’ da
violência na vigília confunde-se com a anomia inerente ao sonho.
Esse momento histórico visto como ruína, decadência terrena em direção à
catástrofe, que substitui a escatologia divina, entrelaça em sua violência a estrutura e
temática do drama, não como plano de fundo ou essência, mas como visibilidade na
expressão alegórica. Ruína e morte estampam a face dos fragmentos da história enlutada
que o alegorista recolhe. “O que jaz em ruínas, o fragmento significativo, o estilhaço: essa é a
matéria mais nobre da criação barroca” (op.cit.,p.200). A transitoriedade da história marca a
forma informe desses fragmentos e permite que eles sejam desfigurados com violência. O
finito e o incompleto (op.cit.p:198) instauram a possibilidade do jogo com a recepção. O
3 Trama que atua nesse texto como mise en abyme, como enclave que “reproduz propriedades ou similitudes estruturais”(Pavis, 1999:p.245).
drama, ou trauerspiel (trauer – luto, spiel – jogo) aloja e desvia a concepção temporal que
transita no barroco, e tem na indecisão um elemento estrutural que transmuta o luto em jogo.
O corpo de Segismundo é palco alegórico do sofrimento da criatura que aparece
“na luz estridente de suas próprias hesitações” (Benjamin, 1984:p. 94). É sobre esse corpo
‘natural’ que regra e anomia igualam-se, o direito contamina a política, e a violência do poder
captura e controla a vida, e se instala historicamente (AGAMBEN, 2004: p.132). Sobre ele a
violência do poder indeciso fabrica no cárcere a indecisão da fera-humana. O corpo vestido
de peles ou de príncipe é o local em que fera e homem são fragmentados e, ao mesmo
tempo, indiscerníveis. Nesse contexto, Segismundo é capturado pelo sonho, artificio com que
o poder controla o desejo humano. Nesse jogo, o sonho não é simples metáfora teológica da
ilusão terrena, mas implanta-se no texto como estrutura onírica fragmentada no qual a razão
se forma. Razão que torna impossível a Segismundo decidir se é fera ou homem, cadáver ou
criatura viva, se o que vive é sonho ou verdade (Ato 2,v.698). A reflexão, centrada em
antíteses, passa à recepção, que ainda joga com o artifício do teatro dentro do teatro, usado
com sutileza neste texto. O teatro sendo visível torna-se um fragmento da realidade como
vida ou, espetáculo. A atualidade desse texto de Calderón, não se deve apenas à
genialidade do autor, mas contém indecisões que até hoje, sob outra roupagem, talvez ainda
O confronto entre o real e a ficção não abandonou o teatro e, no pós-dramático,
atinge o auge no que Lehmann nomeia de estética da indecidibilidade (2007,p.164). Não se
trata mais como no barroco da cena como ficção, promover uma reflexão crítica sobre a
realidade do real do lado de fora. O que está em questão é o real do próprio teatro: ]
no teatro pós-dramático do real o essencial não é a afirmação do real em si (como nos produtos sensacionalistas da indústria pornográfica), mas sim a incerteza, por meio da indecidibilidade, quanto a saber se o que está em jogo é realidade ou ficção. É dessa ambiguidade que emergem o efeito teatral e o efeito sobre a consciência (op.cit. p.165).
Coloca-se assim a experiência da indecidibilidade sobre o real ou sobre o
sentido, do teatro e vida, nas mãos (no corpo) da recepção. A possibilidade, ou não, de
julgamento sobre a verdade reconduz o teatro novamente a uma tribuna, não apenas sobre
um assunto, mas sobre a própria (in)capacidade do sujeito se decidir sobre o que está
vivendo, ou percebendo. As fronteiras entre o teatro, o direito e a política, instáveis desde a
tragédia grega (p.ex. FOUCAULT, 2003, p.54; BENJAMIN, 1984, p.140) adquirem, talvez,
O teatro do real e da presença traz a questão: como a estética da
indecidibilidade faz face ao contemporâneo? Mais especificamente, na ordenação temporal
dos fragmentos e na corporeidade fragmentada, que são propensos a gerar uma louvável
polissemia e, em seu avesso, o possível estado de indecidibilidade da recepção. Situa-se
nessa incerteza um campo de reflexão em que o barroco, como um passado aberto, e
através de seus clássicos (CALVINO, 1993: p.11) talvez ainda tenha algo a nos dizer.
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Time Management in a Connected World Making a Telephone Call 1993 Look up Number in Rolladex Call Person Send person email that you want to call them Person sends days and times that work for them Create calendar entry in Outlook for call, including When the day and time arrives, hopefully you Why Time Management ? Lack of time causes stress Life satisfaction Mon
PUBLIKATIONSVERZEICHNIS - Veröffentlichungen in Fachzeitschriften ORGINALARBEITEN 1. M. Schel ing, J. Gnirs, M. Braun, R. Busch, S.Maurer , W.Kuhn, K.Th.M. Schneider, H. Graeff: Optimized differential diagnosis of breast lesions by combined B-mode and color Doppler sonography. Ultrasound Obstet. Gynecol. 10 (1997): 48-53 2. M. Schel ing, M. Braun, Kuhn W, G. Bogner, R. Gruber, J. Gnirs, K.Th.M.